Caneta em punho
Na tarde escura
enegrecida pela chuva
Enquanto as águas
castigam as vidraças
espero, a procura
dos versos exatos
O papel branco
a minha frente
aguarda, impaciente
pela tinta impiedosa
que macula a sua
pureza alva e limpa
mas nada acontece
O que me falta
para inspirar os versos?
Amores vividos?
Aventuras, angústia
sofrimento, medo?
Nada me falta
Então porque a dúvida?
Faltaram paixões?
Faltou a vida
temerária e inquietante?
Faltou indignação,
revolta, revolução?
Nada disso passou
em branco por mim
De certo, pensei
falta-me talento
A cobiçada habilidade
de esculpir as estrofes,
de desenhar as rimas
e de fazer acrobacias,
malabarismos com palavras
Devo ser, então
estéril de sensibilidade
fleumático incorrigível
inabalável seriedade
a impedir a expressão
dos repentinos devaneios,
da infindável melancolia
Caneta em punho
Rabiscos indecifráveis
provam meu fracasso
e, enquanto a noite
vem, inclemente
escurece também
minha esperança