quarta-feira, 18 de junho de 2008

Coluna Arte: Maiakóvski - O poeta operário



Grita-se ao poeta:
"Queria te ver numa fábrica!
O que? versos? Pura bobagem!
Para trabalhar não tens coragem".
Talvez
ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez
sem chaminés
seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca
é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos, remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.
Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!
O trabalho é vivo e novo!
Com os oradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó!"


(Tradução: E. CARRERA GUERRA)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Coluna Arte: Fernando Pessoa - Palavras de pórtico

Ilustração: Retrato de Fernando Pessoa pintado pelo artista português Almada Negreiros em 1954.


Palavras de pórtico¹

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso"².
Quero para mim o espírito [d]esta frase,


transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.


Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;


ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue


o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.


Notas:
1 - "Palavras de pórtico" é uma nota solta, não assinada, publicada pela primeira vez na primeira edição do livro "Mensagem" (Rio de Janeiro, GB, 23.03.1960) de Fernando Pessoa.
2 - "Navigare necesse; vivere non est necesse" - latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Coluna Arte: Vinícius de Moraes - Soneto de separação


De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.