quarta-feira, 2 de julho de 2008

Coluna Arte: Paulo Victor Gomes - Soneto da angústia

Ilustração: David Alfaro Siqueiros - Angústia (A mãe do artista)

Soneto da angústia

Vejo o mundo com olhos torturantes.
Busco uma razão para seguir adiante,
Mas nada enxergo além de trevas profundas,
Nada há senão hipocrisia e futilidade imunda!


Assustado, fecho os olhos com temor.
Busco dentro de mim talvez amor,
Mas sou tão vil quantos todo o resto.
Desmotivado, nem sequer me contesto.


E então, que será agora?
Existe algo lá fora
Capaz de me alienar?


Quero algo que me faça utópico,
Um pouco menos melancólico,
Esperando uma vida melhor...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Coluna Arte: Maiakóvski - O poeta operário



Grita-se ao poeta:
"Queria te ver numa fábrica!
O que? versos? Pura bobagem!
Para trabalhar não tens coragem".
Talvez
ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez
sem chaminés
seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca
é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos, remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.
Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!
O trabalho é vivo e novo!
Com os oradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó!"


(Tradução: E. CARRERA GUERRA)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Coluna Arte: Fernando Pessoa - Palavras de pórtico

Ilustração: Retrato de Fernando Pessoa pintado pelo artista português Almada Negreiros em 1954.


Palavras de pórtico¹

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso"².
Quero para mim o espírito [d]esta frase,


transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.


Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;


ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue


o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.


Notas:
1 - "Palavras de pórtico" é uma nota solta, não assinada, publicada pela primeira vez na primeira edição do livro "Mensagem" (Rio de Janeiro, GB, 23.03.1960) de Fernando Pessoa.
2 - "Navigare necesse; vivere non est necesse" - latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Coluna Arte: Vinícius de Moraes - Soneto de separação


De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Coluna Arte: Paulo Victor Gomes - Ubiqüidade

Ubiqüidade

Teu cheiro me causa tal encanto
Que até mesmo sem te ter ao lado
Melindro-me, e fico tonto
E me sinto inebriado

De onde vem teu doce aroma
Quando tu estás ausente?
Creio que tu és um axioma
Constante em minha mente

Regozija-me esta dádiva,
Espontânea caridade,
Concedida pelo amor

Seria, pois, uma lástima
Suportar além da saudade,
A falta do teu perfume de flor.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Coluna Arte: Bertolt Brecht - O analfabeto político




“Brecht é uma época. Uma época tumultuosa de rebeldia e de protesto. Refletem-se, em suas obras, os problemas fundamentais do mundo atual: a luta pela emancipação social da humanidade. Brecht tem plena consciência do que pretende fazer. Usa o materialismo dialético da maneira mais sábia para a revolução estética que se dispôs a promover na poesia e no teatro. O teatro épico e didático caracteriza-se, em Brecht, pelo cunho narrativo e descritivo cujo tema é apresentar os acontecimentos sociais em seu processo dialético. Diverte e faz pensar. Não se limita a explicar o mundo, pois se dispõe a modificá-lo. É um teatro que atua, ao mesmo tempo, como ciência e como arte. A alienação do homem, para Brecht, não se manifesta como produto da intuição artística. Brecht ocupa-se dela de maneira consciente e proposital. Mas não basta compreendê-la e focalizá-la. O essencial não é a alienação em si, mas o esforço histórico para a desalienação do homem. O papel do autor dramático não se reduz a reproduzir, em sua obra, a sociedade de seu tempo. O principal objetivo, quer pelo conteúdo, quer pela forma, e exercer uma função transformadora, que atue revolucionariamente sobre o ambiente social.” (Edmundo Moniz)

Edmundo Moniz é historiador, poeta, teatrólogo e ensaísta; profundo estudioso da obra de Brecht.

O Analfabeto Político

“O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que
odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio das dos exploradores do povo.”

Bertold Brecht

Pequena análise

Brecht nasceu na Alemanha pré-nazista, antes mesmo da Primeira Guerra Mundial (1914-18), em 1898. Em 1917 iniciou o curso de medicina, e foi convocado pelo exército para trabalhar como enfermeiro em um hospital militar nos últimos anos da guerra. Ali se rebelou contra os padrões burgueses modificados pela situação instável do maior conflito armado da história da humanidade até então, e começou a escrever seus primeiros poemas.
Em 1918 o jovem Bertold escreveu sua primeira peça, “Baal”, um drama expressionista que reflete o estado de revolta do autor para com a sociedade da época. No fim dos anos 20, começou a estudar o marxismo. Deixou a Alemanha em 1933 devido à ascensão de Hitler. Voltou ao seu país em 1948, onde viveu até sua morte em 1956 na cidade de Berlin.
A rebeldia presente em sua obra é absolutamente justificável devido às condições sociais da Europa vivendo os horrores da guerra imperialista do início do século XX. Mas poemas como “O Analfabeto Político” ganham eco na história, vindo refletir o grande problema da cultura política do povo brasileiro do século XXI.
Como foi dito por Aristóteles, “O homem é um animal político”. Dependemos da política para viver. Precisamos confiar nela e lutar pra transformá-la em um instrumento social eficiente. A política é a única forma de realizarmos as transformações sociais necessárias em nosso momento histórico. Por isso, e por outros motivos, “o pior analfabeto é o analfabeto político”.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Manifesto de lançamento

Milhares de anos se passaram desde o surgimento da raça humana com sua incomparável inteligência. O ser humano se vangloria da sua superioridade diante dos demais seres viventes em nosso planeta, e faz uso desse benefício para transformar o mundo ao seu bel prazer e impor um ritmo não condizente com as necessidades desses outros seres e com a capacidade do próprio planeta.
Não bastasse aplicar a “lei do mais forte” sobre os animais não racionais, o homem a aplica também sobre seus semelhantes, provando que todo o conhecimento que adquiriu ao longo da história não é suficiente pra entender que estamos no mundo não para competir, mas sim para compartilhar.
Ainda vivemos assolados pela injustiça de um sistema político-econômico que concentra metade das riquezas conquistadas pela raça humana nas mãos de pouco mais de quatro centenas de pessoas, e deixa mais de seis bilhões delas coibidas de ter acesso ao desenvolvimento historicamente alcançado.
Até quando a humanidade vai ignorar que há algo de muito errado em tudo isso? Até quando nosso povo irá viver sob as sombras do passado, ignorando o futuro e administrando inconsequentemente o presente? Até quando irão, os dominadores, se esquecer que são seres inteligentes e agir instintivamente pensando unicamente em seu benefício próprio? Até quando a esmagadora maioria das pessoas aceitará ser explorada e maltratada por uma minoria arrogante e hipócrita? Até quando seremos privados da justiça, da liberdade, da real democracia e dos sentimentos de amor e fraternidade que deveriam ser nossos guias em nossa passagem pela terra?
Não existem respostas para essas perguntas. O que existe é a vontade de que a resposta para todas elas, seja “agora!”. O mundo precisa mudar, e imediatamente.É com esse espírito revolucionário que passo a publicar a partir de hoje, textos semanais com o objetivo de debater soluções e chamar cada vez mais pessoas à luta por um mundo justo e um ser humano mais digno da vida.
Sem abandonar meu espírito artístico e o meu desejo de ver a arte, em suas inúmeras formas de manifestação, sendo valorizada por cada vez mais pessoas, publicarei também trabalhos artísticos meus ou de tantos outros artistas espelhados pelo mundo e pela história. Afinal a arte, também é uma forma de combate às injustiças do mundo.



“A arte não é um espelho que reflete o mundo, e sim, um martelo para forjá-lo!” (Maiakóvski)